Subúrbios da caneta

APRESENTAÇÃO

Reynaldo Damazio, Tarso de Melo

 Oficinas literárias são sempre imprevisíveis. Sabemos normalmente porque surgiram, mas dificilmente sabemos onde podem chegar.

Este foi o caso do projeto Tantas Letras!, realizado pela Prefeitura de São Bernardo do Campo entre 2007 e 2011, logo após a realização de um concurso literário na cidade. Dos limites de uma premiação, sempre passageira e questionável, a permanência do aprendizado, do diálogo, da leitura e da construção de uma experiência literária significativa. Mais do que ensinar a escrever criativamente, o propósito era formar repertórios, discutir livremente literatura, como prática amorosa, persistente, cotidiana, entrega e ofício.

No início, eram três oficinas acontecendo paralelamente, de poesia, prosa e crítica. Além dos oficineiros, os grupos tinham contato com escritores, jornalistas, sociólogos, historiadores, psicanalistas e profissionais de áreas diversas, convidados, que traziam novas perspectivas e questionamentos para o universo da literatura. Nos últimos módulos do Tantas Letras!, os três caminhos se fundiram numa única turma, misturando gêneros, vozes, inquietações.

Os poemas que compõem este livro foram escritos em períodos muito diversos, alguns à época dos cursos, outros mais recentemente, mas têm em comum o fato de serem estimulados por isso que hoje se chama “Coletivo Tantas Letras!”, um grupo de poetas que, tendo passado, em alguma ocasião, pelos cursos, vem se reunindo em conversas e saraus em diferentes lugares. Registre-se, contudo, que o Tantas Letras! não era apenas poesia e seria muito importante que, em breve, a prosa e a crítica escritas pelos participantes dos cursos também ganhassem suas antologias.

Muitos dos poemas que estão agora neste livro já são “clássicos” entre os frequentadores dos Tantas Letras!, mas, somados à produção mais recente,  darão agora a todos os leitores a oportunidade de invadir aquele que é praticamente o seu “habitat natural”: ao passar as páginas deste livro, ouvindo as vozes diversas que nele coexistem, o leitor terá uma ideia de como era intensa a troca nas salas em que as oficinas aconteciam ou mesmo como ainda é mais intensa a troca nas mesas e balcões em que os poetas do Tantas Letras! hoje se reúnem. Aliás, que valha como um convite para chegar mais perto do encontro real, do poema voando pelos ares, muitas vezes logo após nascer!

O “bando de loucos” que se formou durante os anos do Tantas Letras! e que vem se ampliando, reunindo afetuosa e criativamente num mesmo barco gente das mais diversas idades, origens, ocupações etc., explica por si só que esta antologia seja tão marcada pela diversidade nos modos de indagar o real e de manejar a complexa linguagem do verso. Poesia que expõe o processo de formação e de autoconsciência de seus autores, de exploração de temáticas e dicções, sem fórmulas acabadas.

O que vai nas páginas a seguir é motivo de muito orgulho para todos que estiveram empenhados na organização dos cursos e eventos durante todo este tempo, não apenas pelo reconhecimento do trabalho já realizado, mas pela convicção, cada vez mais forte, de que as consequências do Tantas Letras! estão vivas e continuam imprevisíveis.

Que assim seja –  ´tâmo junto!

“Crítica sobre o livro ALGUNS POEMAS” Publicado pelo coletivo Dulcineia Catadora.

1460048_777051812311468_1818805288_n 2

Crítica do (“Poeta e Produtor Cultural Carlos André de Diadema”), sobre o meu trabalho no livro Alguns Poemas.

 

Alguns Poemas, Luiz D Salles

Há muitos livros sobre o que sejam os poemas e, mais ainda, muitos poemas sobre o assunto.

Alguns Poemas, primeiro livro de Luiz D Salles, nos propõe, no entanto, uma outra questão logo de início: o que é um livro de poemas?; ou antes: o que é um livro?

A publicação, em parceria com o coletivo Dulcinéia Catadora, tem como capa, pintada à mão, um pedaço de papelão banal onde o miolo, de papel reciclado, é costurado com um barbante visível, branco, em quatro furos. Lindo.

Pelas páginas dois, três, um, quatro e até cinco poemas reunidos de uma vez e demarcados por simples asteriscos – que tivessem caído de uma mesma árvore, aleatoriamente, frutos poéticos.

Assim, as coisas no livro vão se repetindo. A simplicidade da estrutura física também está no léxico e no laconismo discursivo de Salles, em sua temática essencialista.

No poema-resumo, à sexta página, lemos:

“Gosto de engolir palavras

E inundar a alma de poesia”

E à página 24:

“A lÍngua tatuada de palavras

O céu da boca cheio de poesia”

Parece-nos, por vezes, que o mote do autor é antes de tudo esse: fazer poesia e, que esteja claro, muito bem feita.

Toda a obra parece, sem proselitismo, bradar os poderes do poema e a maravilha que é cria-los, que é, sobretudo, eles existirem – existência essa totalmente dependente do leitor, como queriam os existencialistas:

“Sem leitura livros nada significam”

Salles demonstra um apreço pungente por poemas curtos, por vezes haicais. Tanto que mesmo quando um de seus textos estende-se um pouco mais, seus versos, isoladamente, seguem minúsculos, contidos, formados até de uma única palavra:

“Sem classe social

Destino

Única clareza

Entre paredes frias &

Úmidas

O bolor cresce na

Língua

(…)”

Me agrada muito a despretensão dessa poética, num momento em que a poesia no Brasil, me parece, passa por uma importante renovação, com o advento de novos circuitos alternativos. Alguns Poemas não trata de pouco, mas de muito (inclusive politicamente falando, como no poema intitulado “VII”) com muito pouco, numa referência/inversão clara à linguagem comercial que rege esses dias.

Luiz é um poeta em construção e seu trabalho não alcança público amplo. Mas nisso reside a beleza de sua proposta, o questionamento do gosto, do modus operandi da POESIA. Quem ainda lê poesia? Quem ainda quer os vivos? Quem aposta nos erros? Quem quer compartilhar?

Eu quero.

Carlos André

Nov/2013